Há cerca de dois meses li sobre um novo fenómeno da internet: Chat Roulette, um sítio de conversação onde se tem acesso a milhares (há quem refira que são várias dezenas de milhar) de pessoas de todo o mundo que, simultaneamente, se mostram através da câmara. Sempre que o utilizador estiver insatisfeito com a pessoa que lhe foi destinada pela "sorte" da "roleta", pode imediatamente cancelar a ligação e pedir que a fortuna lhe apresente outra pessoa e assim sucessivamente. Uma espécie de Netmeeting dos tempos modernos.
Logo no meu primeiro dia de visita tive uma experiência muito "rica" (puro eufemismo): desde vários rapazes e homens que exibiam os seus órgãos genitais e/ou se masturbavam para a câmara, a pessoas que se limitavam simplesmente a olhar para quem estava do outro lado, uma jovem oriental que exibiu o seu corpo e se masturbou em directo, rapazes que exibiam cartazes personalizados para o espaço e onde pediam que as moças/mulheres lhes exibissem os seios, pessoas que faziam caretas, gente que injuriava e fazia gestos obscenos, gente que escondia a sua própria imagem e apenas apreciava (ou não) o destinatário, jovens e mulheres maduras em lingerie e/ou a exibir o corpo, gente que colocava a câmara em locais estratégicos e fazia de uma determinada divisão da casa uma espécie de Big Brother onde qualquer um podia seguir a sua vida naquele compartimento, e gente que simplesmente queria conversar. Sim, tive isto tudo no primeiro dia.
No segundo dia a experiência já não foi tão vasta, mas começaram a sobressair alguns comportamentos sobretudo o de homens a exibir os seus genitais e a masturbarem-se. O espaço perdeu o interesse, embora tivesse insistido várias semanas nele para poder acompanhar os comportamentos que se verificam num site onde cada um pode ser quem quiser e fazer o que quiser. Sempre que estiver insatisfeito com o que vê, despacha e passa à experiência seguinte. É incrível o que as pessoas são capazes de fazer quando julgam ser impossível a sua identificação e eventual denúncia. O Ser Humano é capaz de se vulgarizar e exibir a sua psique (sim, a verdadeira!) através da internet com uma facilidade assustadora.
Contudo, o que mais gostaria de salientar diz respeito à banalização das relações e à deflação que o Ser Humano tem em pleno século XXI. No fundo, este site revela como é possível descartar pessoas com a mesma facilidade com que se respira. Ninguém se preocupa em saber se do outro lado está alguém a precisar de conversar com outra pessoa ou com feridas na alma. Importa o nível de satisfação pessoal de cada um, e que é cada vez mais exigente! Basta um clique e já vem aí a próxima pessoa. É o conceito do zapping televisivo adaptado às pessoas. Atenção, eu disse PESSOAS, ou seja, seres com a capacidade de pensar, sentir e agir. Não me refiro a maquinetas pelas quais as pessoas parecem demonstrar mais afecto do que por qualquer outro Ser da sua espécie.
Paralelamente a este site, assinalo os canais seguidos pelas novas gerações como a MTV, com programas semelhantes ao "Chat Roulette!": Next, Room Raiders, I Want to Date Your Mom, Parental Control, entre outros. Todos eles primam pelo mesmo conceito: o programa centra-se num jovem do sexo masculino ou feminino, colocam à sua escolha vários jovens possíveis de sair ou ter um relacionamento e cabe à "estrela" de cada programa escolher aquele que melhor lhe aprouver. Os critérios de escolha são quase sempre duvidosos e dependem, essencialmente, do capricho de cada um. O que é certo é que basta um "não", "próximo", "adeus" e está feita a exclusão em detrimento de um outro que se habilita à mesma sorte.
É preocupante saber que este conceito televisivo e internáutico é cada vez mais seguido por jovens e adultos no dia-a-dia. As pessoas são, de facto, descartáveis. Para quê haver o esforço de investir em alguém, dar uma segunda oportunidade, compreender as diferenças e aceitar os defeitos, ou conhecê-la um pouco melhor quando tem ao seu alcance um mundo recheado de novas hipóteses de encontrar alguém que não cometa erros e que aceite adaptar-se à sua forma de ser? Vivemos num mundo cada vez mais egoísta, onde tudo tem que girar à volta do "eu", caso contrário faz-se um clique e tudo volta ao normal. Não há o mínimo interesse em esforçar-se ou em considerar que do outro lado está alguém com sentimentos, com uma história de vida, com um perfil condicionado pela sua experiência de vida. Clique... next.
É ainda curioso saber que as pessoas recorrem aos clichés e apregoam que não são assim, que se esforçam mas a situação é que não era sustentável. São assim, não se esforçam o suficiente e por vezes é sustentável com um pouco de paciência. As relações humanas são cada vez mais banalizadas, as pessoas perdem o seu valor enquanto pessoa e são tratadas como máquinas, com prazos de garantia e tempo de vida reduzidos, tornando-se obsoletas em escassos dias.
As pessoas têm as suas prioridades trocadas e iludem-se com a virtualidade que a vida lhes oferece. Virtualidade essa que não devia passar de um ecrã de computador, durante as navegações em sítios da rede, mas que consome os sentimentos e emoções de Seres Humanos cada vez mais indisponíveis para sofrer, amar, odiar e perder tempo. Vivemos a um ritmo alucinante, temos pressa para tudo e queremos ser práticos e eficientes nas nossas escolhas, procurando variá-las o mais possível. Contudo, no meio de tudo isto, esquecemo-nos daquilo que é mais importante e dá razão à vida: o verdadeiro amor!