Nunca tive um verdadeiro modelo masculino para me inspirar, nem me lembro de em ocasião alguma ver os meus pais juntos a terem uma manifestação de carinho que fosse. Habituei-me a situações negativas e más experiências ao longo da vida nas relações interpessoais e hoje tenho sérias dificuldades em desligar-me e pensar e agir com isenção.
Hoje vi aquilo a que se chamava, quando eu era criança, de "bicho de contas e de histórias". O coitado estava virado ao contrário e fazia um esforço sobrenatural para se colocar como deve ser. Sem sucesso. Aproximei-me dele e tentei virá-lo. Imediatamente encolheu-se, fechando-se, como que reagindo por instinto a um possível predador. Fiquei a olhar para ele, esperei que voltasse ao normal e continuou a longa batalha de se tentar virar. Insisti mais uma vez, virei-o e o bicho abandonou a sua posse defensiva e seguiu o seu caminho. No outro dia vi uma joaninha, insecto que não via há muitos, muitos anos. Fiquei a olhar para ela como se fosse a primeira vez. Matei saudades das joaninhas e não consegui esconder a emoção que senti perante um acontecimento tão banal.
Raramente sei o que fazer nas relações com as pessoas e tendo a agir por sobrevivência e instinto a toda e qualquer potencial ameaça que atente contra mim. Não sou mau, não sou abominável, não tenho mau carácter. Apenas não sei o que fazer e o primeiro impulso leva-me a encolher-me e, se acreditar que corro o risco de me magoar, mostro os meus espigões, qual ouriço-caixeiro (sim, também vi um aqui há algumas semanas e logo tentei travar amizade com ele).
Toda esta experiência de vida faz com que hoje viva em constante dualismo comigo mesmo. Qualquer aproximação ou qualquer acto ao qual não tenha frieza de ânimo para processar e encontrar a reacção adequada e entro em curto-circuito. Seguidamente, a minha consciência e a minha racionalidade dividem-se em duas, transitando para o "estado filme policial americano": primeiro, surge o bad cop (ou "mau Rodrigo") que me diz constantemente ao ouvido "vê o que a pessoa te fez", "já te fizeram isto antes e sabes como acabou", "achas que o que esta pessoa te fez é inocente?", "achas mesmo que estão aqui boas intenções?", etc. Depois sobe a parada "devias cortar imediatamente com isto", "devias reagir à altura e acabar com o mal pela raiz", "desaparece daqui", "desaparece de vez", "só te sabem fazer disto", "morre, que não serves para nada e não fazes cá falta nenhuma"! Não é fácil lidar com estas situações quando não as esperamos e não sabemos lidar com elas! Porém, ficamos sem reacção e deixamo-nos levar. Pelo menos falo por mim.
Posteriormente, sem que nada o faça prever, nem aconteça nada nesse sentido, e por vezes apenas algum tempo depois de tomar uma atitude precipitada, entra em cena o good cop (ou "bom Rodrigo") para me chamar à razão e dizer "o que é que foste fazer?", "já pensaste que as coisas podem não ser como viste inicialmente?", "tem calma", "esta pessoa tem muitas virtudes", "conversa com a pessoa e tenta entendê-la".
Por norma, acalmo-me nesta situação.
Depois fico furioso comigo mesmo, pelos erros cometidos e volto a entrar em paranóia. Às vezes estou bem e, sem que eu o controle, faço uma introspecção à minha vida, fico em branco e desespero. Regresso ao dualismo. Não sei como agir. Não sei em que me inspirar. Não sei em que me basear. Como aprender a viver? É tão fácil dizer "descontrai e deixa-te levar", mas isto são palavras de pessoas com um crescimento completamente diferente do meu. Sinto-me como o Mogli, como se tivesse perdido grande parte da minha vida a ver agressões, mentiras, enganos e ausência de amor, mas tenho consciência que tenho um bom fundo e muito para dar, mas... não sei como projectar tudo isso cá para fora e ser uma aposta válida, em vez do "homem-lobo" que se protege e defende do saudável e abre o peito a tudo o que é negativo.