Cheguei há poucas semanas de um planeta diferente deste em que vivo. Nesse, o que mais me marcou foram os Seres que nele habitam: o sentido de sociedade e o respeito são as suas principais características. São tendencialmente individualistas e isolados, porém respeitam quem os rodeia. É por isso que, sem surpresa, vemos nativos vestidos de todas as formas e feitios, do mais chocante e extravagante ao mais clássico e discreto, sem que se entreolhem com desdém ou repúdio. Simplesmente não olham, não querem saber.
Estes seres organizam-se de tal forma que se um sinal público diz que os seus meios de transporte (semelhantes aos nossos e também lhes chamam carros) não podem ultrapassar 50km, eles esforçam-se por respeitar o que lhes é dito. Se num metropolitano se lhes pede para manterem as suas tecnologias de contacto (semelhante aos nossos telemóveis) em silêncio, eles garantem o silêncio dos aparelhos só para não desrespeitar quem segue na mesma carruagem. Até hoje ainda me pergunto como será o toque de telemóvel de um daqueles Seres. Simplesmente não consigo dizer.
Se algum sinal pede que estes alienígenas andem pelo lado esquerdo, todos eles andam pelo lado esquerdo, para não perturbarem quem segue em sentido contrário. Se se pede que não se fume nos espaços exteriores, aos quais eles também chamam "ruas", então não fumam. Deixem-me que vos diga que, durante toda a minha estadia neste planeta, nunca vi um papel no chão, uma parede riscada, ou algo partido. O estado de conservação das infra-estruturas e de tudo o que as acompanha é tal que chega a enervar e o que é curioso é o facto de saber que profanar, estragar ou destruir são conceitos que dificilmente devem fazer parte dos pensamentos diários de cada um daqueles Seres.
A sensação de segurança é impressionante e quase assustadora: podemos circular a qualquer hora do dia e da noite sem sequer nos preocuparmos com os nossos bens pessoais quanto mais com a nossa integridade física. A simpatia e disponibilidade são inqualificáveis: sempre que acontece algum atropelo, alguma atrapalhação, ou simplesmente precisamos de ajuda, estes Seres sorriem, desfazem-se em mil vénias (até mesmo entre eles) e demonstram vontade em ajudar.
Estive noutro planeta, completamente diferente deste em que vivo e isso fez-me ter um sentimento semelhante ao daqueles que integram a famosa alegoria da caverna, de Platão: embora me fizesse alguma confusão, julgava-me confortável com a escuridão em que vivia. Agora que vi a verdade e conheci um mundo relativamente iluminado, embora não seja "a luz", tudo neste mundo em que vivo me faz confusão e me deprime ainda mais do que deprimia. Só assim se explica que hoje, em plena A5, sentido Lisboa-Cascais, visse uma série de carros parados no meio das faixas de rodagem, porque uma senhora queria apanhar um cão com uma trela - que presumi que fosse dela por isso mesmo - e, depois de quase me espetar contra um deles - tal como outros condutores que se surpreenderam com o cenário - e de ter pedido educadamente a um dos que estavam parados "porque é que não encosta o carro à berma?", o visado, com duas crianças nos bancos de trás e com a mulher a correr atrás do cão me tivesse respondido "encosta os tomates, filho da puta" e continuasse a praguejar como se eu tivesse tentado violar a mulher dele.
Fiquei sem reacção, não por medo, mas por surpresa. Aquele momento, ao qual se somaram muitos outros desde que regressei do outro planeta, fez-me finalmente ter a consciência que tinha voltado a casa e que tudo tinha voltado ao normal: afinal, não era aquele tipo que era mentecapto, pois por estes lados anormal é não ter atitudes semelhantes à dele. Eu é que não tenho forma de me corrigir e ainda não aprendi a adaptar-me a este planeta que sempre me incomodou e fez sentir desconfortável, ao contrário do outro, em que cheguei e me senti imediatamente como peixe na água. Só de pensar que a simples possibilidade de pensar em tentar enganar aqueles Seres já me fazia sentir condenado pela prática de um crime bárbaro...
Uma vez mais a música. Uma das minhas cantoras preferidas é Lily Allen. Além de Norah Jones, Lily Allen consegue ser a única cantora da actualidade capaz de me fazer comprar os seus discos originais. É um dos raros exemplos em que tenho sérias dificuldades em identificar uma música que consiga dizer "esta dispenso", o que é notável para um crítico tão exigente como eu no ramo musical.
Todas as músicas de Lily Allen têm um sentido. As letras foram pensadas e são dirigidas a alguém ou a alguma situação da vida. Isso aproxima-me ainda mais das suas músicas. A cantora britânica tem uma música no seu primeiro disco que se chama Everything's Just Wonderful, um género de dedicatória a tudo e a todos aqueles que insistem em estragar-nos a vida, mas que, apesar de tudo, não abalam a nossa estabilidade e, mesmo com todas as dores de cabeça e adversidades ainda temos força para dizer "Everything's Just Wonderful".
Deixo a letra para que possam apreciar:
Do you think everything, everyone
Is goin' mental?
It seems to me,
We're spiralling out of control
And don't you think
This time is yours, this time is mine
It's tempermental
It seems to me,
We're on all fours,
Crawling on our knees, someone help us please
Oh Jesus, Christ Almighty,
Do I feel alright? No, not slightly.
I wanna get a flat, I know I can afford it
It's just the bureaucrats that won't give me a mortgage.
It's very funny, 'cause I got your fucking money
And I'm never gonna get it, just 'cause of my bad credit.
Oh well, I guess I mustn't grumble
I suppose it's just the way the cookie crumbles.
Oh, yeah, so fine
Everything's just wonderful
I'm havin' the time of my life.
Another one,
Something else, something new
What have we got here?
And don't you feel, it's all the same,
Some sick game, it's so insincere.
I wish I could, change the ways
Of the world, make it a nice place
Until that day, I guess we stay
Doin' what we do, screwin' who we screw.
Why can't I sleep at night?
Don't say it's gonna be alright,
I wanna be able to eat spaghetti bolognase,
And not feel bad about it for days and days and days,
All the magazines they talk about weight loss,
If I buy those jeans, I can look like Kate Moss
I know that it's not the life I chose,
But I guess that's just the way that things go.
Oh, yeah, so fine
Everything's just wonderful
I'm havin' the time of my life.
Oh Jesus, Christ Almighty,
Do I feel alright? No, not slightly.
I wanna get a flat, I know I can afford it
It's just the bureaucrats that won't give me a mortgage.
It's very funny, 'cause I got your fucking money
And I'm never gonna get it, just 'cause of my bad credit.
Oh well, I guess I mustn't grumble
I suppose it's just the way the cookie crumbles.
Na passada sexta-feira celebrava-se o Dia Mundial da Dor. Ontem, o Dia Europeu da Depressão. Hoje, o Dia Mundial da Menopausa. Confesso que este género de dias me repugnam pela carga de negativismo que cada um deles imprime. Até o Dia Internacional da Mulher me faz espécie: o dia serve para recordar tudo o que as mulheres têm sofrido ao longo dos séculos e não para sensibilizar a população para as qualidades positivas que a mulher pode ter.
Porque se celebram tantos eventos infelizes e negativos? Alguém acredita que em cada um destes dias se progrida social, política e cientificamente tendo em vista a inversão do actual cenário? Não. As comissões trabalham 365 dias, tal como os grupos de trabalho e de sensibilização.
Assim sendo, repito a pergunta: porque se dedicam os dias do ano a infortúnios e desgraças? Para quando o Dia Mundial da Saúde, sem que se recorde o que cada um tem que fazer para a ter, o Dia Mundial do Dinheiro em abundância, do Amor, entre tantos outros? Já agora, porque é que cada um dos raros dias positivos que temos é sempre explorado até ao tutano pelo capitalismo? Porque não apenas celebrar... porque sim, porque é bom, porque faz bem?