No final de 2008 tive uma mudança nos meus hábitos, fruto de um tumor que teve uma pessoa que muito significa para mim. O problema parecia estar debelado, porém, no final de 2009 voltou e, desta vez, aparentemente invencível. De acordo com os médicos, tem apenas alguns meses entre nós. Recusamo-nos a aceitar esta decisão e... lutamos com tudo o que temos, sobretudo porque nada há a perder. Eu próprio faço questão que alguém que tanto deu tenha a morte digna que merece e não todo o sofrimento que esta situação diferente acarreta.
Tenho acompanhado de muito perto este drama sobretudo porque sou uma das pessoas em alerta 24h para poder socorrer e ajudar em tudo, caso seja necessário. Tem sido. O mais dramático que destaco e que mais confusão me faz, por nunca me ter imaginado a conviver com esta situação, é a ida às consultas e aos tratamentos. Cenas que julgava só serem possíveis em filme, como as comunicações do médico a avisar que é muito complicado, entre outras recomendações, o cheiro a éter ainda mais pesado pela carga que os temas oncológicos acrescentam ao típico "cheiro de hospital", a sensação de perda, o olhar para a paciente e não ter coragem de lhe dizer a verdade para manter algum ânimo e esperança (fundamentais para o combate), a conversa "quando eu morrer, isto é para ti", a resignação quando se sente que o corpo vacila, entre tantas outras coisas. Só convivendo com a situação para perceber que muitas vezes os filmes retratam a realidade de forma mais exacta do que aquela que pensamos.
Aliás, e por falar em filmes, estas situações são em tudo semelhantes às telenovelas portuguesas dos anos 80: a falta de à-vontade, o amadorismo (no meu caso de lidar com uma situação de um tumor, no dos actores a representação televisiva), a frieza e a insensibilidade e a falta de conteúdo para dar alguma fluidez ou dar alguma cor e vida a uma cena a preto e branco. No final fica a sensação de vazio e tristeza e o desejo de não ter passado por tal tortura.
Isto tem mexido comigo, ainda que inconscientemente, e só ontem dei por mim a pensar que, de facto, estou diferente: mais apagado, mais cinzento, mais sério, mais carregado, com menos vida. Eu, que me ria de tudo, que não levava nada a sério como forma de esquecer que existem problemas e dificuldades (que sempre tive!), de repente dou por mim enquadrado na realidade e não estou a saber lidar com ela.
No meio disto tudo vale-me o trabalho. Parece paradoxal, mas não é. Não há coisa melhor do que trabalhar quando enfrentamos momentos como este: no meu caso, mantenho-me concentrado no que faço e esqueço, durante várias horas, que sou Ser Humano, não sou invencível, tenho problemas, tristezas e corro o risco de perder alguém que me é muito querido. Digo "corro o risco" porque enquanto há vida há esperança e, enquanto o coração bater, por mais que me digam "é muito pouco provável", ainda existe 1% de possibilidades de uma surpresa acontecer!
Não gosto do Natal. Sou frio (e não o lamento) ao afirmar que não há diferenças entre o Natal e a hipocrisia: tanto um como o outro são quando o homem quiser e ambos constituem valentes oportunidades para que o outro sobressaia.
O Natal é a fase do cinismo e consegue ser mais "faz de conta" que o Carnaval: subitamente todos se amam, todos sentem um je ne sais quoi que os leva a pensar que podem compensar o tempo perdido e/ou comprar o amor, o respeito e a consideração de todos à sua volta com doces, presentes e votos de sucesso.
O Natal é aquela altura em que me apetece desligar o telemóvel mas apenas não o faço porque isso seria considerar que ele me afecta de tal forma que tenho que me desligar do mundo por causa dele. Todos os anos a história repete-se: gente que está meses sem me falar, sem querer saber de mim, sem se importar com a minha vida ou até sem responder a uma mensagem que eu envio, subitamente muda nos últimos dias do Ano e, qual Grinch com medo de ser atemorizado pelos fantasmas do Natal, decidem mandar mensagens de felicidades e votos de sucesso, abraços e beijos.
Como o Natal e a hipocrisia se confundem, este ano recebi variadíssimas mensagens deste tipo de pessoas. Curiosamente, os que me são próximos e adoptam um comportamento diferente do que descrevi são aqueles que não têm necessidade de dar sinais de vida nessa altura porque já o fazem ao longo dos outros 364 dias.
Não respondi a nenhuma destas mensagens ou chamadas, porque entendi que tal seria entendido como uma validação e reconhecimento de palavras ôcas, sem qualquer sentimento honesto e sincero. Talvez se desmotivem de repetir o gesto para o ano. Poupam dinheiro desnecessário comigo. Não me vou enternecer com a atitude, nem tão-pouco recordar os bons tempos em que eramos próximos.
Dou presentes às pessoas que gosto, quando sinto que o devo fazer. Dou atenção, amor e importo-me com as pessoas sem olhar a dias específicos do calendário gregoriano.
Posso ser corrosivo, mas orgulho-me de não ser hipócrita, falso, desonesto ou cínico.