Sinto falta de ter o excesso de tempo livre que tenho. Ocupo-o com nada e não dou conta dele passar. Quem inventou a relatividade do tempo, mente. Não precisamos de estar numa situação que nos dá prazer para que este passe depressa. Basta que nos sentemos e olhemos para uma tela vazia, em branco, dia após dia, e que sintamos que o sangue que nos corre nas veias corre à mesma velocidade que a vida e quando subitamente acordamos desta fase de meditação, vemos que aquela nos passou de tal forma ao lado que damos por nós no mesmo nível de maturidade e evolução humana de há 10 anos atrás.
Viajei para o futuro? É provável. Sinto que temporalmente avancei vários anos, mas, sou exactamente o mesmo, sem desenvolvimento. Continuo o mesmo "Rodrigo Azevedo trial version 1.0" que foi lançado há bem mais de uma década no mundo dos adultos e desde então sente-se um autêntico Mogli, qual estranho numa terra estranha - a propósito, bom livro, este, de Robert A. Heinlein, que marcou a minha adolescência.
Sinto-me à deriva, no meio do Pacífico (onde, aliás, nunca estive), de braços e pernas bem abertos e esticados (velho truque para qualquer um se manter à superfície em água salgada), e espero que a corrente me leve a qualquer destino. Já remei muito, já nadei imenso, e, depois da minha embarcação ter sido pilhada por piratas, sinto-me sem forças para canalizar os meus esforços em algo que a qualquer segundo pode acabar em mãos alheias, que não lhe dará o devido valor.
Perdi o que de mais precioso tinha. É certo que era um coração e até podia ser de pechisbeque para quem o levou, mas era o meu coração e para mim era ouro puro! Ao menos levassem-no e cuidassem dele, mas os piratas acharam-no pouco valioso e deitaram-no ao mar. No mesmo instante transformou-se em pedra e foi ao fundo do Oceano. Não mais o consegui agarrar. Desde então encontrei uma boa solução para me proteger dos ataques destes criminosos: hipotequei os meus bens, abdiquei do meu património. Ninguém pode roubar quem nada tem.
Tudo isto me confunde e leva-me a procurar caminhos que me permitam adaptar e tomar um rumo. Drogas? Isso é coisa de meninos. Encher-se de substâncias para fugir à realidade da vida é coisa de meninos. Homem que é homem rejeita iludir-se e tornar-se dependente do que quer que seja. Homem que é homem sacrifica-se e enfrenta a vida tal como ela é: é como fazer uma endoscopia e uma colonoscopia ao mesmo tempo e a frio, sem anestesias!
Ir de férias, ou "como estar longe de casa nos leva a comer tudo o que não presta só porque é barato". Para mim, ir de férias tem destas coisas: más escolhas (que novidade). Iniciei o meu curto período de férias com uma deslocação. O planeamento de tudo foi organizado com uma máxima "aproveitar o máximo, gastando o menos possível". Já devia estar cansado de saber que são raros os casos em que querer ter o melhor sem gastar dá bom resultado. Mas, afinal, também tenho o meu quê de cidadão comum e foi com esta premissa que me preparei. Acabei por acordar quando no primeiro dia de viagem dou por mim a comer numa cadeia de fast food, algo que não faço nos restantes dias do ano! Afinal, que raio de pensamento tacanho é este que me faz derreter dinheiro em coisas absurdas mas sempre que chega à época de férias "há que fazer contenção", mesmo que isso implique andar a pé 10km só porque quero poupar e não estou disposto a gastar 5 euros num meio de transporte.
Acordei (depois de anos a cometer os mesmos erros) e decidi dar-me o melhor em alimentação e no que fosse necessário para me facilitar a estadia. Já dizia um certo treinador brasileiro, que nunca deu nada a Portugal mas que é idolatrado por muita gente: "o ruim é que é caro". Nisto tem toda a razão. Uma coisa há, porém, de que não faço muita questão de abdicar: dormida. Para mim, desde que tenha uma cama e o local seja higiénico e bem localizado, pode ser o mais baratucho, que aceito! Para mim, não faz muito sentido gastar rios de dinheiro em hotéis de quatro e/ou cinco estrelas quando passo, normalmente, os dias inteiros fora do local de dormida e viajo sozinho.
Outro mistério das viagens que faço é o da figura do tuga, que paira em todo o lado. É impressionante: acho que até em Vanuatu deve haver pelo menos um português com uma loja aberta em Port Vila (sim, fui ver ao google qual era a capital de Vanuatu) ou a fazer turismo por aquelas bandas. O mais engraçado não é saber que há portugueses em tudo quanto é canto, mas a forma como os mesmos são identificáveis à distância: as mulheres ou andam com sapatos de vela ou com botas de cunha (daquelas baratuchas). Quanto aos homens já depende da idade: se forem jovens, reconhecemo-los pelo cabelo à frente dos olhos (o velho estilo morangos com açúcar) juntamente com o kit pólo Quebra-Mar, calções/boxers e sapatos de vela sem meias (valha-nos isso). Se estiverem na meia idade, o fio de ouro à mostra os anéis são certos e agora está também na moda descolorarem o cabelo ou fazerem madeixas e vestirem sweats das mais variadas cores (do rosa choque ao verde florescente), com brilhantes e tendencialmente de lycra para poderem salientar ainda mais o barril de 50l de cerveja que têm em vez da barriga. Resumindo, com 40/50 querem vestir-se da forma que não se vestiram quando tinham 20.
Outro factor a ter em conta é o nome dos descendentes de portugueses radicados noutros países. De Jonathan Silva a Lindsay Peralta, passando pelo Pierre Santos e pela Corinne Lopes. Sim, eu sei, isto não tem muito para desenvolver, apenas achei que devia partilhar a curiosidade.
É graças a estes fenómenos que me interrogo sobre se não estou a obedecer ao sr. Presidente da República quando este nos "sugere" que façamos férias "cá dentro": se os portugueses estão em todo o lado e os valores das sociedades em que se encontram acolhem cada vez mais os padrões portugueses, ir para qualquer destino do mundo inteiro não é ir, também, "cá dentro" mesmo estando a ir "bem lá para fora"? Vou mais longe ainda neste meu raciocínio: os PALOP, o Brasil, os EUA, França, Reino Unido e a Alemanha são praticamente Portugal e o Luxemburgo é uma verdadeira colónia portuguesa do século XXI - existem mais portugueses no Luxemburgo do que nos Açores e, tirando o Duque, a população deste país é... portuguesa! Não são estes países Portugal?
Ir de férias tem destas coisas e não se chama silly season por acaso. É por ser silly que as reflexões que faço sobre as férias são tão básicas quanto este artigo que acabei de escrever, mas ao menos ainda aprendi duas coisas: a primeira, que não faz sentido derreter dinheiro ao longo do ano em coisas inexplicáveis e quando chega as férias sacrifico-me como se fosse um sem abrigo etíope; a segunda, que, infelizmente, continua a ficar mais em conta conhecer outras culturas e realidades do que as de algumas regiões portuguesas, tal a forma estupidamente cara com que nos é cobrada habitualmente essa mesma curiosidade: de custos de transporte (portagens, voos, gasolinas, entre outros meios), passando pela hospedagem e pela estadia, Portugal é um destino absurdamente caro!