Os centros comerciais são um verdadeiro mundo. De facto, estes espaços que insistem em fazer as maravilhas dos portugueses, são uma verdadeira roda-viva de emoções. Quem diria que num espaço (aparentemente) tão pequeno se pudessem conhecer pessoas, ver multidões, gastar dinheiro, andar de carro (graças à maravilha que são os parques), levar a família a passear e dar a "voltinha dos tristes" nos longos corredores de um shopping center, passar um bom momento ao ar livre (graças às espalnadas), deixar os miúdos a brincar num playground qualquer, ou até jogar à bola na esplanada onde os adultos apanham ar e fumam o seu cigarro (desde que a nova lei do tabaco entrou em vigor no formato que tem actualmente, subitamente formaram-se espaços ao ar livre de overdose de nicotina, enquanto os não fumadores agora têm que andar enclausurados porque nessas tais "salas exteriores" formam-se verdadeiras nuvens de fumo que intoxicam quem pretende apanhar um pouco de ar mais ou menos puro), podemos comer, beber, vestir, ver filmes, ver estrangeiros, ver o português típico, o português bimbo, o cigano, o preto, o brasileiro e o ucraniano, as miúdas giras, as miúdas feias, as conservadoras, as liberais, socialistas, comunistas, populares, nacionalistas, fascistas, antifas, ambientalistas, anarcas, monárquicos e "laranjinhas", temos polícia, segurança privada (das mais variadas e conceituadas empresas), navegamos na internet, vemos jogos de futebol, tentam impingir-nos cartões de crédito, seguros, perfumes e companhia (parece o nome de uma perfumaria, mas não me referia à mesma), temos wc's públicos, temos cenas de sexo, pugilato, água, em alguns casos ginásios, vendedores de castanhas, vendedores de gelados, vendedores de pão, acidentes de automóvel, autocarros, atropelamentos, atropelamentos com carrinhos de compras, furtos, roubos, danos, injúrias, fraudes, falsificações, adultérios, carjackings, enfim, temos num curto espaço tudo aquilo de que precisamos no mundo lá fora. Nos EUA existem superfícies comerciais onde até jogging se pratica e centros de reciclagem se gerem, tais as dimensões desses mesmos complexos.
Infelizmente, somos dos poucos países na Europa cuja população tem orgasmos assim que ouve as palavras "Shopping" e "Center". Existe um qualquer fetiche associado a este conceito. Como se não bastasse, brevemente teremos o maior Centro Comercial da Europa na Amadora. Não podiam ter escolhido melhor. Enquanto por cá nos vangloriamos destes recordes, em Espanha, França, Itália, etc, ainda se privilegia bastante o mercado local. Shopping é um conceito completamente diferente do nosso e confesso que prefiro a Baixa Pombalina, mesmo com chuva e frio, a qualquer centro comercial.
A vida num centro comercial além de entusiasmante, pode ser extremamente excitante, sobretudo em épocas como a do Natal. Desde a passada 6.ª feira que os espaços se encheram de gente pronta a derreter aquela coisa maléfica da qual convém que nos livremos o mais rapidamente possível como se de uma doença se tratasse, chamada "décimo-quarto-mês". Os portugueses correm a livrar-se dessa praga e vale tudo para nunca mais a verem, basta observar os olhos de cada pessoa que invade os Shoppings e vemos o brilho que os caracteriza nesta época. O Natal é só uma desculpa. A maior parte das pessoas gosta, de facto, de sentir que tem dinheiro para gastar e há quem troque algumas semanas/meses de estabilidade financeira e equilíbrio de contas por uma verdadeira overdose visual "in loco" de empregadas a passarem o magnético na máquina e por outra overdose, desta vez auditiva, com o discurso que se segue: "verde, código, verde". "Ah que prazer! I'm the King of the World! Tenho dinheiro e compro o que quero!". Vale a pena esperar onze meses por esta época e nota-se que as pessoas correm para os centros comerciais e devoram montras e lojas como se não houvesse amanhã. Na verdade até vai haver amanhã, mas para elas e enquanto dia de trabalho. Aliás, vão haver 364 amanhãs, só que sem o tal subsídio entretanto derretido, qual batata quente amaldiçoada nas mãos do português comum.
A vida num centro comercial pode também ser excitante graças às verdadeiras gincanas a que somos obrigados. Eu, por exemplo, confesso que não consigo fazer 5 metros em linha recta desde 6.ª feira. Ninguém se desvia tal a forma como se deixam hipnotizar pelas compras e mesmo quando agridem alguém involuntariamente ainda fazem aquele olhar assassino e reprovador da presença do outro que, coitado, não tem culpa de ter duas pernas e apenas querer transitar de forma segura. Se quero pedir um café ou um copo de água tenho que esperar meia hora. Se quero chegar ao meu carro para desaparecer daquele espaço ao qual havia chegado há 10 minutos e que me sufoca, demoro outra meia hora. Sei também que a partir de Janeiro a coisa vai acalmar. Sim, Janeiro, porque até dia 10 de Dezembro ainda dura o subsídio de Natal, mas mesmo assim existem aqueles que gostam de continuar a viver o espírito natalício e mesmo sem dinheiro insistem em visitar lojas e passar horas em frente a montras, quais crianças a mirar um brinquedo a partir do exterior. Isto dura até ao dia 26, altura em que há um interregno que se volta a dissipar dias depois quando, ainda sem subsídio, lhes cai o salário do mês. Aí é aproveitar os saldos com menos orçamento, estoirar o pouco plafond que ainda sobra dos cartões de crédito e esperar por Novembro do ano que vem.
Nota: Já repararam na quantidade de coisas que os portugueses compram "só por comprar"?