Sábado, 27 de Dezembro de 2008

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A minha vida mudou radicalmente desde que aconteceu o que aconteceu com a minha avó. Nunca imaginei que mudasse assim tanto. Curiosa e felizmente, encontra-se a recuperar. Mas eu encontro-me a adoecer, não fisica, mas psiquicamente. Tenho a sensação que aquela família invencível e sã a quem nunca acontecia nada e estava sempre toda a gente de perfeita saúde, subitamente se desmoronou e revelou o quão é frágil. Ciente dessa fragilidade, situação nova na vida de alguém a quem sempre ensinaram que os homens não choram, que têm que ser fortes e que não sofrem em ocasião alguma, passei a sentir-me mais humano. Se calhar demasiado.

Desde que sucedeu ter conhecimento da situação da minha avó nunca mais fui o mesmo. Dou por mim dias inteiros a fazer pesquisas na net sobre cancros (todo o tipo). Dou por mim a encontrar algum sintoma semelhante a algo que eu sinta. Repentinamente deixaram de existir gripes, constipações, dores de estômago, ansiedades, nervosismos, etc. Tudo isto é coisa do passado. Agora, para mim, só existe o cancro. Sempre que sinto uma ligeira dor de garganta, julgo ter cancro da faringe, da laringe, da traqueia ou do pulmão. Sempre que sinto uma dor de cabeça, julgo ter um tumor cerebral. Sempre que a digestão é feita de uma forma difícil, julgo ter cancro do fígado, do pancreas, do estômago, dos intestinos. Pesquiso todos os sintomas possíveis e imaginários em busca de uma justificação para esta paranóia que de repente me passou a dominar. Tenho a sensação de querer justificar estes meus medos e receios e em vez de ficar feliz por alegadamente não ter nada, fico com a sensação que tenho algum cancro a desenvolver-se em estado inicial e ainda não foi detectado. Este é o sintoma de muita gente como eu: sempre que vamos a um médico, olhamo-lo de lado se nos diz "está tudo bem consigo, isso é só ansiedade", mas se nos diz "você tem 6 meses de vida porque o seu corpo tem x, y e z doença", então está tudo bem. É irónica e insólita esta situação, mas é verdade.

Penso imensas vezes que o que está a acontecer com a minha avó é um sinal divino como que me querendo chamar à atenção para o facto de ter que fazer exames para se descobrir alguma doença, vulgo cancro. Eu sei que é um pensamento demasiado egocêntrico da minha parte, julgar que alguma entidade divina (Deus, o Universo, ou alguma "Energia") sacrificou alguém para me dar um sinal a mim, como se fosse um género de "escolhido". A verdade é que penso isso e apesar de saber que não faz sentido nenhum nada disto que eu penso, menos sentido ainda faz ter noção disso e continuar a pensar. Sinto-me a enlouquecer.

Tenho vários exames para fazer, a meu próprio pedido. A minha médica já me disse que é bastante provável que se trate de ansiedade, mas acedeu ao meu pedido na mesma, dado que exames de rotina nunca fazem mal a ninguém. Já comecei a pensar que possivelmente aqueles exames não vão detectar rigorosamente nada, mas que isso se deve ao facto de poder ter alguma doença grave em estado inicial e não ser detectada. A continuar assim, sinto que vou passar a vida a fazer exames porque os últimos que fizer ainda não foram suficientes para me dar a resposta que por um lado pretendo afastar, mas por outro parece que é aquela que desejo no meu inconsciente.

Sinto que estou a tornar-me num género de hipocondríaco de trazer por casa, sem motivos aparentes para preocupação, com consciência disso, mas que insiste em pensar 24/7 em doenças todas elas graves. Já alterei alguns hábitos na minha vida pessoal, especialmente no tocante a alimentação: já não comia muitos fritos, agora cortei de vez; deixei de comer carnes vermelhas porque potenciam o risco de cancro do sistema digestivo; tenciono consultar uma nutricionista depois de fazer todos estes exames para me dar uma orientação alimentar que me permita ter uma vida o mais saudável possível; deixei de ver a minha série de televisão favorita (Anatomia de Grey) porque em vez de me concentrar no enredo da série, passei a identificar-me com praticamente todos os sintomas de todas as doenças que passavam na série o que me levava a ficar ainda mais ansioso; tenho tido nos últimos dias sérias dificuldades em visitar a minha avó no hospital porque sempre que lá vou encontro uma série de pessoas num estado que me faz pensar que um dia serei eu a estar ali; vou passar a frequentar algum desporto, algo que não faço há muito tempo; passei a deixar de atender o telemóvel e a enviar menos mensagens escritas e já só o atendo em alta-voz, porque li que as radiações do equipamento podem causar cancro das glândulas salivares, entre outros; etc.

No meio das alterações (muitas saudáveis) a que mais destaco é a tentativa de exercício mental que faço para esquecer tudo o que se está a passar: diversas vezes dou comigo a olhar para um espelho e a dizer "não tens doença nenhuma", "és saudável", "olha para ti: estás perfeito". Cada vez mais tenho a sensação de que estou a enlouquecer...

Tinha planos para passar a morar sozinho, mas começo a ter vontade de não sair desta casa porque me vou sentir bastante sozinho. Não tenho um único amigo que não esteja acompanhado. Das vezes em que posso estar com alguém de um dos dois grupos que tenho, ou é para ir a casas de diversão nocturna, ou então nunca podem porque estão sempre com as namoradas/mulheres. Dos dois grupos que tenho, quem quer que seja que eu convide para ir tomar um copo, jantar, ver um filme, dar uma volta, ver um jogo, ou qualquer outra coisa, nunca podem, porque estão sempre acompanhados, ou é muito caro, ou então é muito longe. Se convido alguém para fazer uma viagem comigo de 3 ou 4 dias, a preços bastante em conta, é sempre muito caro e nunca dá jeito. Curioso é que depois os veja a gastar o dobro ou o triplo em coisas para as namoradas/mulheres. Para certas situações, parece que são as únicas pessoas nas suas vidas e esquecem-se que têm amigos. Nunca ninguém pode nada e a verdade é que passo a vida sozinho ou a aproveitar migalhas de saídas em grupo com vários casais e eu ali sozinho, como de costume. Para quê sair de casa? Para me sentir mais sozinho ainda? Para me afundar mais ainda nos pensamentos que me cercam?

Acima de tudo tenho a perfeita noção que o meu verdadeiro cancro sou eu próprio e começo a estar cada vez mais próximo de me destruir. Tenho deixado de atender alguns telefonemas também porque estou constantemente ansioso e perturbado e começo a não apreciar as coisas boas que a vida tem para me dar e que sei que são muitas.

publicado por diariodeumfrustrado às 15:39
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13 comentários:
De Inês ;) a 28 de Dezembro de 2008 às 11:12
Até babei!! LOL
Não sou nenhuma heroina!
Não mereço isso tudo!
Sou uma miuda normalissima!
E quero que saibas, que, hoje em dia quase todos os cancros são detectados atempadamente!
Eu, que estou dentro do assunto e passo a vida no ipo, sei que o que não falta são casos de sucesso!
Morrem mais pessoas na estrada e por estupidez do que por cancro!
Olha, eu tenho mias medo da sida do que do cancro!
E deixa-me que te diga que se por ventura tiveres a infelicidade de ter de enfrentar isso, vais ver que irão surgir forças de sitios que pensavas não existir!

E isto que vou dizer pode parecer parvo, mas, o cancro na minha vida não foi totalmente mau!
talvez vá morrer dele, mas não me importa!
Aprendi a viver!
Hoje vivo com muito menos medo, com mais vontade!
Dou valor á vida e ás pequenas coisas!

Eu sigo muito a tua história, e lamento que não des valor á vida como deve de ser!
Vivas constantemente em conflito interior!
Não haverá pior doença que desperdiçar a vida que temos?

Espero mesmo que ultrapasses isso tudo!
Não só a questão do cancro, mas também as questões interiores com que te debates!
Ganha confiança em ti!
Tu tens força! todos temos!

ah, já me esquecia, as melhoras para a tua avó!

(que testamento!! LOL)

Beijinho
De diariodeumfrustrado a 28 de Dezembro de 2008 às 12:01
"Não haverá pior doença que desperdiçar a vida que temos?" - É por isso que digo que, até ao momento, o meu cancro tenho sido eu próprio!

Muita força para ti! Se precisares de mim para alguma coisa, faz o favor de dispor.

Beijinho

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